O Supremo Tribunal Federal (STF) ouve, a partir desta segunda-feira (9), os depoimentos dos réus do chamado núcleo 1 da trama da suposta tentativa de golpe ocorrida em 8 de janeiro de 2023. Entre os réus, está o ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de liderar a organização criminosa. Os depoimentos serão conduzidos pelo ministro Alexandre de Moraes, com a participação do procurador-geral da República, Paulo Gonet.
Nesta fase, os acusados podem exercer o direito à autodefesa, apresentando diretamente ao juiz a sua versão dos fatos e se declarar culpados, ou não, dos cinco crimes de que são acusados. Segundo a denúncia da PGR, o grupo atuou para contestar, de forma coordenada, o resultado das eleições presidenciais de 2022, com o objetivo de impedir a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e manter Bolsonaro no poder.
Além disso, a acusação também diz que o grupo mobilizou estrutura de segurança do Estado, como a Polícia Rodoviária Federal (PRF), para mapear e impedir eleitores de votar no candidato do PT, mantendo também o discurso de fraude nas urnas mesmo sem conseguirem encontrar falhas no sistema eleitoral.
Segundo a lei, o réu que firmou um acordo de delação premiada é o primeiro a ser interrogado. Neste caso, o delator é o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid. Logo após, os réus serão ouvidos em ordem alfabética:
- Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
- Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha;
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal;
- General Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional;
- Jair Bolsonaro, ex-presidente da República;
- Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
- Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil.
Principais pontos dos depoimentos:
Mauro Cid
A audiência começou na segunda-feira (09) às 14h19, conduzida pelo relator do caso, ministro Alexandre de Moraes. Cid foi o primeiro a depor porque firmou um acordo de delação premiada com a Polícia Federal. Esse tipo de acordo é um instrumento jurídico que permite ao acusado colaborar com as investigações, revelando informações relevantes em troca de benefícios penais, como a redução de pena.
Questionado por Moraes, Cid afirmou que assinou o acordo de colaboração por livre e espontânea vontade e negou ter sofrido qualquer tipo de coação ou pressão para fechar a delação.
Durante o depoimento, Cid declarou que a acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a trama golpista é verdadeira. “Presenciei grande parte dos fatos, mas não participei deles”, disse.
Minuta do golpe
Um dos pontos centrais do depoimento foi a confirmação da existência de um documento, que previa a prisão de autoridades do STF e do Congresso Nacional.
“O documento mencionava vários ministros do STF, o presidente do Senado, o presidente da Câmara… eram várias autoridades, tanto do Judiciário quanto do Legislativo.
Segundo o ex-ajudante de ordens, o então presidente Jair Bolsonaro recebeu, leu e sugeriu alterações na chamada “minuta do golpe”, retirando a maioria das ordens de prisão. Apenas o ministro Alexandre de Moraes permaneceria como alvo.
“Sim [Bolsonaro] recebeu e leu. Ele enxugou o documento. Basicamente, retirando as autoridades das prisões, somente o senhor [Moraes] ficaria como preso. O resto, não”, detalhou o tenente-coronel.
Ainda, segundo ele, a minuta foi apresentada ao ex-presidente em até três reuniões, realizadas na biblioteca do Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência da República. O texto era composto por três partes. A primeira, intitulada “considerandos”, reunia cerca de dez páginas com alegações de interferência do STF e do TSE no governo Bolsonaro e nas eleições. Já a segunda parte trazia argumentos jurídicos defendendo estado de defesa, estado de sítio, prisão de autoridades e a criação de um conselho eleitoral para refazer o pleito de 2022.
“Eu não me ative muito aos detalhes do documento, mas seria para conduzir uma nova eleição, baseada em uma eleição anulada”, afirmou.
A chamada minuta do golpe foi encontrada pela Polícia Federal na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, durante uma operação autorizada pelo próprio Moraes.
Carla Zambelli
Durante o depoimento, o ministro Alexandre de Moraes questionou o tenente-coronel Mauro Cid se ele se lembrava de uma reunião entre o ex-presidente Jair Bolsonaro, a deputada Carla Zambelli e o hacker Walter Delgatti. Cid confirmou que sim.
Segundo ele, Bolsonaro pediu ao então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, que recebesse Zambelli e Delgatti para discutir supostas fraudes nas urnas eletrônicas. Ainda de acordo com Cid, foi Zambelli quem agendou a reunião entre o hacker e o presidente no Palácio da Alvorada. O objetivo era entender, a partir de um ponto de vista técnico, se havia possibilidade de fraude nas urnas e como essas supostas irregularidades poderiam ser identificadas.
Após esse encontro, Bolsonaro teria solicitado que Paulo Sérgio continuasse a conversa com os dois. Cid foi perguntado se essa segunda reunião ocorreu no Ministério da Defesa, mas não soube informar se o ministro participou.
Relatório das eleições de 2022
Cid afirmou que Bolsonaro pressionou o ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, para postergar a entrega de um relatório sobre as urnas eletrônicas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O ex-ajudante de ordens disse que o presidente queria alterar o tom do documento e exigia uma versão mais crítica ao sistema de votação.
“O general Paulo Sérgio tinha uma conclusão nesse documento voltada para um lado mais técnico. E se tinha a tendência de fazer algo voltado mais para o lado político. E acabou que, no final, chegou-se a um meio termo que foi o documento que foi produzido e assinado”, afirmou Cid, em resposta ao ministro Alexandre de Moraes.
Segundo ele, o relatório já estava pronto após as eleições e havia uma reunião agendada para entrega ao TSE. No entanto, o encontro foi cancelado após intervenção direta de Bolsonaro. Questionado sobre como se deu essa interferência, Cid disse que “ não sei se foi por ligação, por conversa particular, mas essa pressão realmente existia.”
As Forças Armadas haviam sido convidadas pelo TSE para integrar uma comissão de fiscalização do pleito. O relatório final produzido pelos militares não apontou fraudes no processo, mas mencionou, de forma genérica, a possibilidade de falhas — mesmo sem apresentar nenhuma evidência concreta. O TSE, a Polícia Federal e outras entidades técnicas garantem a segurança do sistema eletrônico de votação.
Braga Netto
Mauro Cid afirmou ao Supremo que o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, servia como ligação entre Bolsonaro e os grupos acampados em frente a quartéis do Exército após as eleições de 2022. Segundo o ex-ajudante de ordens da Presidência, Braga Netto fazia parte de um grupo que pressionava Bolsonaro a reagir contra o resultado das urnas.
Segundo o depoimento, o general entregou uma caixa de vinho contendo dinheiro no Palácio da Alvorada.
“Recebi diretamente do general Braga Netto e repassei ao major Rafael Martins de Oliveira”, afirmou Cid, acrescentando que não soube estimar o valor contido na embalagem.
O major mencionado por Cid integra o grupo conhecido como “kids pretos”, formado por militares das Forças Especiais do Exército. Investigações apontam que membros desse grupo são suspeitos de planejar ataques contra autoridades, incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Alexandre de Moraes. A operação foi batizada de “Punhal Verde e Amarelo”.
O repasse do dinheiro teria sido feito a pedido de Braga Netto, que foi vice na chapa de Bolsonaro nas eleições de 2022.
“Cumpri a ordem. Entreguei a caixa com o dinheiro ao major Rafael no Alvorada, como solicitado”, declarou Cid.
Punhal verde e amarelo
Cid afirmou ao Supremo Tribunal Federal que jamais teve conhecimento direto do plano denominado “Punhal Verde e Amarelo”, que previa o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes. Segundo ele, só tomou conhecimento da operação pela imprensa.
“Soube no dia da prisão dos militares ligados aos ‘kids pretos’. Meu nome nem constava no gabinete de crise que foi criado, ou que seria criado”, declarou Cid, negando qualquer participação no esquema.
O “Punhal Verde e Amarelo” foi revelado pela Polícia Federal durante a Operação Contragolpe, deflagrada em novembro, que resultou na prisão de militares e um policial suspeitos de planejar o assassinato das autoridades, como parte da tentativa de golpe de Estado em 2022.
Alexandre Ramagem
O deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, negou envolvimento em ações ilegais durante sua gestão no órgão. Ele é acusado pela Procuradoria-Geral da República de usar a Abin para monitorar desafetos políticos do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas refutou todas as acusações. As declarações foram transmitidas ao vivo de Brasília e ocorreu após o depoimento de Mauro Cid.
Ramagem afirmou que não monitorou ministros do Supremo Tribunal Federal nem produziu dossiês para Bolsonaro em uma suposta estrutura paralela dentro da Abin. Segundo ele, documentos encontrados pela Polícia Federal em seus celulares, incluindo críticas às urnas eletrônicas, tratam-se de anotações privadas sem relação com sua atuação oficial. Ele também declarou que não existem provas contra ele no processo que apura tentativa de golpe de Estado.
Durante o interrogatório, o ex-diretor da Abin disse ainda que nunca incitou Bolsonaro a descumprir ordens judiciais e que, caso o ex-presidente estivesse insatisfeito com a Justiça, deveria recorrer à Advocacia-Geral da União. Ao ser questionado pelo ministro Alexandre de Moraes sobre uma suposta lista de procuradores contrários ao governo, Ramagem afirmou desconhecer o documento e negou qualquer repasse de informações sobre inquéritos da Polícia Federal ao ex-presidente.
Em atualização…