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STF ouve Mauro Cid sobre tentativa de golpe: “Bolsonaro leu e modificou minuta que previa prisão de Moraes”

Cid foi o primeiro a depor porque firmou um acordo de delação premiada com a Polícia Federal em 2013
Foto: Ton Molina/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta segunda-feira (9) os interrogatórios dos oito réus do núcleo 1 da tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Esse núcleo é considerado crucial nas investigações conduzidas pela Corte. O primeiro a ser ouvido foi o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro.

A audiência começou na segunda-feira (09) às 14h19, conduzida pelo relator do caso, ministro Alexandre de Moraes. Cid foi o primeiro a depor porque firmou um acordo de delação premiada com a Polícia Federal. Esse tipo de acordo é um instrumento jurídico que permite ao acusado colaborar com as investigações, revelando informações relevantes em troca de benefícios penais, como a redução de pena.

Questionado por Moraes, Cid afirmou que assinou o acordo de colaboração por livre e espontânea vontade e negou ter sofrido qualquer tipo de coação ou pressão para fechar a delação.

Durante o depoimento, Cid declarou que a acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a trama golpista é verdadeira. “Presenciei grande parte dos fatos, mas não participei deles”, disse.

Minuta do golpe

Um dos pontos centrais do depoimento foi a confirmação da existência de um documento, que previa a prisão de autoridades do STF e do Congresso Nacional.

“O documento mencionava vários ministros do STF, o presidente do Senado, o presidente da Câmara… eram várias autoridades, tanto do Judiciário quanto do Legislativo.

Segundo o ex-ajudante de ordens, o então presidente Jair Bolsonaro recebeu, leu e sugeriu alterações na chamada “minuta do golpe”, retirando a maioria das ordens de prisão. Apenas o ministro Alexandre de Moraes permaneceria como alvo.

“Sim [Bolsonaro] recebeu e leu. Ele enxugou o documento. Basicamente, retirando as autoridades das prisões, somente o senhor [Moraes] ficaria como preso. O resto, não”, detalhou o tenente-coronel.

Ainda, segundo ele, a minuta foi apresentada ao ex-presidente em até três reuniões, realizadas na biblioteca do Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência da República. O texto era composto por três partes. A primeira, intitulada “considerandos”, reunia cerca de dez páginas com alegações de interferência do STF e do TSE no governo Bolsonaro e nas eleições. Já a segunda parte trazia argumentos jurídicos defendendo estado de defesa, estado de sítio, prisão de autoridades e a criação de um conselho eleitoral para refazer o pleito de 2022.

“Eu não me ative muito aos detalhes do documento, mas seria para conduzir uma nova eleição, baseada em uma eleição anulada”, afirmou.

A chamada minuta do golpe foi encontrada pela Polícia Federal na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, durante uma operação autorizada pelo próprio Moraes.

Carla Zambelli

Durante o depoimento, o ministro Alexandre de Moraes questionou o tenente-coronel Mauro Cid se ele se lembrava de uma reunião entre o ex-presidente Jair Bolsonaro, a deputada Carla Zambelli e o hacker Walter Delgatti. Cid confirmou que sim.

Segundo ele, Bolsonaro pediu ao então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, que recebesse Zambelli e Delgatti para discutir supostas fraudes nas urnas eletrônicas. Ainda de acordo com Cid, foi Zambelli quem agendou a reunião entre o hacker e o presidente no Palácio da Alvorada. O objetivo era entender, a partir de um ponto de vista técnico, se havia possibilidade de fraude nas urnas e como essas supostas irregularidades poderiam ser identificadas.

Após esse encontro, Bolsonaro teria solicitado que Paulo Sérgio continuasse a conversa com os dois. Cid foi perguntado se essa segunda reunião ocorreu no Ministério da Defesa, mas não soube informar se o ministro participou.

Relatório das eleições de 2022

Cid afirmou que Bolsonaro pressionou o ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, para postergar a entrega de um relatório sobre as urnas eletrônicas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O ex-ajudante de ordens disse que o presidente queria alterar o tom do documento e exigia uma versão mais crítica ao sistema de votação.

 “O general Paulo Sérgio tinha uma conclusão nesse documento voltada para um lado mais técnico. E se tinha a tendência de fazer algo voltado mais para o lado político. E acabou que, no final, chegou-se a um meio termo que foi o documento que foi produzido e assinado”, afirmou Cid, em resposta ao ministro Alexandre de Moraes.

 Segundo ele, o relatório já estava pronto após as eleições e havia uma reunião agendada para entrega ao TSE. No entanto, o encontro foi cancelado após intervenção direta de Bolsonaro. Questionado sobre como se deu essa interferência,  Cid disse que “ não sei se foi por ligação, por conversa particular, mas essa pressão realmente existia.”

 As Forças Armadas haviam sido convidadas pelo TSE para integrar uma comissão de fiscalização do pleito. O relatório final produzido pelos militares não apontou fraudes no processo, mas mencionou, de forma genérica, a possibilidade de falhas — mesmo sem apresentar nenhuma evidência concreta. O TSE, a Polícia Federal e outras entidades técnicas garantem a segurança do sistema eletrônico de votação.

Braga Netto

Mauro Cid afirmou ao Supremo que o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, servia como ligação entre Bolsonaro e os grupos acampados em frente a quartéis do Exército após as eleições de 2022. Segundo o ex-ajudante de ordens da Presidência, Braga Netto fazia parte de um grupo que pressionava Bolsonaro a reagir contra o resultado das urnas.

 Segundo o depoimento, o general entregou uma caixa de vinho contendo dinheiro no Palácio da Alvorada.

 “Recebi diretamente do general Braga Netto e repassei ao major Rafael Martins de Oliveira”, afirmou Cid, acrescentando que não soube estimar o valor contido na embalagem.

 O major mencionado por Cid integra o grupo conhecido como “kids pretos”, formado por militares das Forças Especiais do Exército. Investigações apontam que membros desse grupo são suspeitos de planejar ataques contra autoridades, incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Alexandre de Moraes. A operação foi batizada de “Punhal Verde e Amarelo”.

 O repasse do dinheiro teria sido feito a pedido de Braga Netto, que foi vice na chapa de Bolsonaro nas eleições de 2022.

 “Cumpri a ordem. Entreguei a caixa com o dinheiro ao major Rafael no Alvorada, como solicitado”, declarou Cid.

Punhal verde e amarelo

Cid afirmou ao Supremo Tribunal Federal que jamais teve conhecimento direto do plano denominado “Punhal Verde e Amarelo”, que previa o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes. Segundo ele, só tomou conhecimento da operação pela imprensa.

“Soube no dia da prisão dos militares ligados aos ‘kids pretos’. Meu nome nem constava no gabinete de crise que foi criado, ou que seria criado”, declarou Cid, negando qualquer participação no esquema.

O “Punhal Verde e Amarelo” foi revelado pela Polícia Federal durante a Operação Contragolpe, deflagrada em novembro, que resultou na prisão de militares e um policial suspeitos de planejar o assassinato das autoridades, como parte da tentativa de golpe de Estado em 2022.

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