O ex-presidente uruguaio José “Pepe” Mujica morreu nesta terça-feira (13), aos 89 anos, em Montevidéu. Ele enfrentava um câncer no esôfago desde abril de 2024, que já havia se espalhado para o fígado, e decidiu interromper o tratamento após o agravamento do quadro clínico. O falecimento foi confirmado pelo atual presidente do país, Yamandú Orsi, em uma publicação na rede social X.
Con profundo dolor comunicamos que falleció nuestro compañero Pepe Mujica. Presidente, militante, referente y conductor. Te vamos a extrañar mucho Viejo querido. Gracias por todo lo que nos diste y por tu profundo amor por tu pueblo.
— Yamandú Orsi (@OrsiYamandu) May 13, 2025
A saúde de Mujica já estava comprometida por uma doença autoimune que o acompanhava há mais de 20 anos e afetava os rins, o que tornava inviável a realização de quimioterapia ou intervenções cirúrgicas. Após 32 sessões de radioterapia, ele anunciou que não faria mais nenhum tratamento e que desejava viver seus últimos dias com dignidade, em casa.
Em janeiro deste ano, Mujica concedeu uma das suas últimas entrevistas ao jornal Búsqueda, na qual ele disse que “sinceramente, estou morrendo. E o guerreiro tem direito ao seu descanso”. Pediu para não ser mais procurado por jornalistas e declarou que seu ciclo na vida pública havia se encerrado.
Nos últimos meses, viveu recluso em seu sítio em Rincón del Cerro, nos arredores de Montevidéu, acompanhado da esposa e ex-vice-presidente Lucía Topolansky. No último domingo (12), sua ausência nas eleições internas da Frente Ampla, coalizão da qual era um dos principais nomes, chamou a atenção e levantou suspeitas sobre o agravamento da doença.
Governo brasileiro lamenta a morte
A relação de Mujica com o Brasil sempre foi próxima. Ele era entusiasta do Mercosul e da união entre os países da América Latina. Em dezembro do ano passado, durante uma visita a Montevidéu, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva condecorou Mujica com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, a maior honraria dada pelo governo brasileiro a cidadãos estrangeiros.
Em nota oficial, o Itamaraty classificou Mujica como “um dos mais importantes humanistas de nossa época” e reforçou que seu legado continuará inspirando quem acredita em uma América Latina mais justa, democrática e solidária. Lula chegou a chamá-lo de “a pessoa mais extraordinária” entre os presidentes que conheceu.
Trajetória
José Alberto Mujica Cordano nasceu em 20 de maio de 1935, em Montevidéu. Iniciou sua militância política nos anos 1960, ao integrar o Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros, grupo guerrilheiro de esquerda que enfrentou a repressão antes e durante a ditadura militar no Uruguai. Foi baleado quatro vezes em confrontos com a polícia, preso em 1972 e passou 14 anos encarcerado, muitos deles em regime de solitária e sob tortura.
Foi libertado em 1985 com a anistia geral que marcou o retorno da democracia no país. Fundou o Movimento de Participação Popular (MPP), braço político dos Tupamaros dentro da Frente Ampla, e foi eleito deputado em 1994 e senador em 1999. Em 2005, tornou-se ministro da Agricultura no governo Tabaré Vázquez.
Foi eleito presidente da República em 2009, aos 74 anos. Durante seu mandato (2010–2015), ganhou destaque internacional não apenas por sua atuação política, mas pelo estilo de vida modesto: morava em um sítio, dirigia seu próprio Fusca 1987 e doava a maior parte do salário a instituições de caridade.
Durante seus cinco anos à frente do Uruguai, Mujica promoveu reformas que projetaram o país internacionalmente como exemplo de progresso social. Legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, regulamentou o aborto até a 12ª semana de gestação e sancionou a lei que regulamentava a produção e a venda de maconha, tornando o Uruguai o primeiro país do mundo a adotar tal medida por vias estatais.
Entre 2010 e 2015, o salário mínimo aumentou em mais de 250% e os gastos sociais passaram a representar três quartos do orçamento público. Mujica priorizou políticas voltadas para a redução da pobreza, a redistribuição de renda e a valorização do trabalho rural.
Após deixar a presidência, voltou ao Senado, cargo que ocupou até 2020, quando se afastou da vida parlamentar devido a problemas de saúde. Desde então, reduziu drasticamente as aparições públicas e passou a se dedicar à vida no campo. Mesmo longe dos cargos, manteve grande influência política e seguia sendo uma figura central dentro da Frente Ampla.
Mujica completaria 90 anos na próxima segunda-feira (20).
Laura Basílio sob supervisão de Denise Bonfim.