O Brasil registrou 45.747 homicídios em 2023, o menor número absoluto em mais de uma década. Apesar da redução de 2,3% em relação ao ano anterior e de 20,3% em comparação a 2013, o país ainda contabiliza uma média de 125 mortes por dia. Os dados são do Atlas da Violência 2025, que foi publicado nesta segunda-feira (12) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
A taxa nacional ficou em 21,2 homicídios a cada 100 mil habitantes, o menor índice da série histórica. O pico foi em 2017, com 65,6 mil assassinatos e taxa de 31,8. A pesquisa considera registros do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, além de dados populacionais do IBGE.
Entre os fatores que explicam a queda estão o envelhecimento populacional, a redução de conflitos armados entre facções e a adoção de políticas públicas mais eficazes em algumas unidades da federação. Onze estados apresentaram boas práticas no uso de inteligência, prevenção e planejamento.
Violência letal entre jovens segue alarmante
Mesmo com a melhora no cenário geral, os jovens seguem sendo as maiores vítimas da violência. Em 2023, 21.898 pessoas entre 15 e 29 anos foram assassinadas, o equivalente a 47,8% do total de homicídios registrados no país. Esse grupo também apresentou uma taxa de 45,1 mortes por 100 mil, que representa mais que o dobro da média nacional.
Homens seguem predominando entre as vítimas, 93,5% dos jovens assassinados eram do sexo masculino. O levantamento também revela que, para cada 100 óbitos nessa faixa etária, 34 foram provocados por homicídios, consolidando a violência letal como principal causa de morte entre os jovens brasileiros.
Crianças e adolescentes também enfrentam riscos
Os dados do Atlas revelam um cenário preocupante entre crianças e adolescentes. Entre 2013 e 2023, mais de 2 mil crianças de até 4 anos foram assassinadas. Na faixa entre 5 e 14 anos, foram 6.480 homicídios. Já entre os adolescentes de 15 a 19 anos, o número ultrapassa 90 mil. Em todos os grupos etários, a maioria das mortes foi causada por armas de fogo, chegando a 83,9% entre os jovens de 15 a 19 anos.
Além das mortes, o estudo identificou aumento significativo na violência não letal. Em 2023, foram mais de 115 mil atendimentos no SUS a crianças e adolescentes vítimas de violência física, psicológica, sexual ou negligência, um crescimento de 36,2% em relação a 2022. O maior salto ocorreu na faixa de 0 a 4 anos, com alta de 52,2% nas notificações de agressões físicas.
A violência também impacta a saúde mental. Nos últimos 11 anos, os suicídios entre pessoas de 10 a 19 anos cresceram 42,7%, totalizando 11.494 mortes.
Negros ainda são maioria
A desigualdade racial na violência permanece. Em 2023, pessoas negras (pretas e pardas) tinham 2,7 vezes mais chances de serem assassinadas do que pessoas não negras. A taxa de homicídios entre negros foi de 28,9 por 100 mil habitantes, contra 10,6 entre não negros. Apesar da queda nos dois grupos ao longo da década, a distância entre eles cresceu.
Foram 35.213 homicídios de pessoas negras e 9.940 de pessoas não negras. Para os pesquisadores, os dados escancaram a persistência do racismo estrutural no país. O relatório destaca que, mesmo com avanços legislativos e políticas voltadas à igualdade racial, como as cotas em concursos e a criminalização da injúria racial, a violência segue concentrada em territórios periféricos, onde se encontra a maioria da população negra.
Populações indígenas também estão entre as mais afetadas
Outro grupo historicamente vulnerabilizado, os povos indígenas também enfrentam taxas de violência superiores à média nacional. Em 2023, foram 234 homicídios de indígenas, o que representa uma taxa de 22,8 por 100 mil habitantes. Em estados como Roraima e Mato Grosso do Sul, os índices chegam a 235,3 e 178,7, respectivamente.
De 2013 a 2024, foram registradas 1.554 hospitalizações de indígenas vítimas de agressões. Os Guarani-Kaiowá, concentrados no Mato Grosso do Sul, lideram as estatísticas com 574 internações. Também aparecem entre os mais afetados os povos Kaingang (com 142 casos) e Terena (66).
O avanço do agronegócio e os conflitos por terras tradicionais estão entre os principais vetores da violência contra esses povos. Segundo o Atlas, a ausência de dados detalhados sobre etnias dificulta a criação de políticas públicas específicas — e impede ações de proteção a grupos em risco de desaparecimento.
Mulheres seguem expostas à violência letal
Em 2023, 3.903 mulheres foram vítimas de homicídio no país, taxa de 3,5 mortes por 100 mil, estável desde 2019. O estado com maior índice é Roraima, com 10,4 por 100 mil, quase o triplo da média nacional. Amazonas, Bahia e Rondônia vêm em seguida, com taxas de 5,9. Os menores índices foram registrados em São Paulo (1,6), Minas Gerais (2,6), Distrito Federal (2,7) e Santa Catarina (2,8).
Violência contra pessoas LGBTQIAPN+ cresce
O número de agressões contra pessoas LGBTQIAPN+ também aumentou. As internações de homossexuais e bissexuais vítimas de violência cresceram 35%, passando de 14,5 mil para 19,6 mil casos em 2023. Entre pessoas trans e travestis, o aumento foi ainda maior: 43%, com 5,5 mil registros. O relatório ressalta, no entanto, que os sistemas de saúde não identificam se os casos tiveram motivação LGBTfóbica, o que limita a análise da origem dessas agressões.
Mortes no trânsito também preocupam
Pela primeira vez, o Atlas trouxe dados detalhados sobre mortalidade no trânsito. Entre 2010 e 2019, foram cerca de 392 mil mortes em acidentes. A tendência de alta se manteve entre 2020 e 2023, impulsionada principalmente pelo crescimento no uso de motocicletas.
A quantidade de fatalidades envolvendo motos aumentou mais de dez vezes em 30 anos. Em estados como Piauí, 70% das mortes no trânsito envolvem motociclistas. Em outras sete unidades da federação – seis delas no Nordeste – a proporção supera 50%. O relatório classifica o problema como uma crise de saúde pública, especialmente por atingir majoritariamente jovens e trabalhadores informais.
Laura Basílio sob supervisão de Denise Bonfim.