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Moisés Rabinovici: O enviado da paz para duas guerras

O enviado especial dos EUA Steve Witkoff voou da trégua na guerra Israel-Gaza para a trégua na guerra Rússia-Ucrânia
Reprodução: Government Press Office, em Israel.

O enviado especial dos EUA Steve Witkoff voou da trégua na guerra Israel-Gaza para a trégua na guerra Rússia-Ucrânia. Partiu de Doha, no Catar, e está em Moscou. Onde estará em seu aniversário de 68 anos, no sábado? Depende.

Com os negociadores catarianos, egípcios e israelenses, Witkoff deixou uma proposta de extensão do cessar-fogo até 20 de abril, passados o mês sagrado muçulmano do Ramadã e o Pessach, a Páscoa judaica.

Pela proposta, Israel voltará a abrir as portas de Gaza aos caminhões com ajuda humanitária. E o Hamas, em troca, deverá libertar cinco reféns vivos e entregar os restos mortais de nove outros. A pausa vai permitir uma negociação para uma trégua de longo prazo. Se um acordo for obtido, o Hamas libertará todos os reféns restantes, vivos e mortos, no último dia da trégua em vigor, e passará a vigorar um cessar-fogo de longo prazo.

Witkoff partiu para a outra guerra, Rússia-Ucrânia, sem ter a resposta do Hamas à sua nova proposta, que teria sido já aceita por Israel. Deixou em seu lugar o controverso Adam Boehler, que promoveu encontros diretos com líderes do Hamas, pela primeira vez em quase 30 anos. “Foi uma vez só, e não rendeu frutos”, desculpou-o o secretário de Estado Marco Rúbio diante do governo israelense, que queria a sua cabeça.

Em Moscou, a missão de Witkoff é a de “vender” o acordo de cessar-fogo de 30 dias entre Rússia e Ucrânia, que o presidente ucraniano Volodymir Zelensky aceitou em negociações em Jeddah, na Arábia Saudita, na terça-feira. O presidente russo Vladimir Putin ficou paralisado entre cultivar a amizade com o presidente Donald Trump, ou a desprezar, e perseguir suas ambições na Ucrânia, incompatíveis com um acordo de paz. Passou um dia em silêncio. Vestiu uniforme militar para visitar o único trunfo ucraniano na guerra, um pedaço da Rússia em Kursk que já está sendo reconquistado.

Nesta quinta-feira, ao lado do presidente da Bielorrússia, Aleksandr Lukashenko, Putin declarou que é a favor do cessar-fogo, em princípio, mas que ele requer várias condições para, enfim, assiná-lo. “Há questões que precisamos discutir, e acho que precisamos discuti-las com nossos colegas e parceiros americanos.” Ele sugeriu uma nova conversa telefônica com o presidente Trump.

Uma das questões de Putin: a Ucrânia continuará a receber armamento durante a trégua? Outra: quem vai monitorar o cessar-fogo? Para o presidente Zelensky, as condições russas eram “muito previsíveis e muito manipuladoras”. Acrescentou: “Ele quer continuar a guerra”. E concluiu: serão tantas pré-condições que “nada dará certo”.
Em Washington, Trump estava recebendo o secretário geral da OTAN, Mark Rutte, e comentou: “Gostaríamos de ver um cessar-fogo da Rússia”. Se preciso, ele telefonará de novo para Putin. Mas os dois já tinham um rascunho de acordo quando conversaram sobre a paz na Ucrânia, sem a participação de Zelensky e dos aliados europeus. As exigências maximalistas da Rússia, proibindo que a Ucrânia se torne membro da OTAN, e desista de vez de todos os territórios conquistados pelas tropas russas e norte-coreanas, não fazem parte das condições para o cessar-fogo de 30 dias.

Missão para Witkoff. Como Trump, ele é um magnata de imóveis nos Estados Unidos e Inglaterra. Os dois se conheciam de uma imobiliária de Nova York, a Dreyer & Traub. A amizade começou quando se encontraram numa lanchonete. Sem dinheiro, Trump lhe pediu para pagar um sanduíche de presunto e queijo suíço. Anos depois, Witkoff doou milhões de dólares para as causas políticas de Trump. Os dois se tornaram parceiros numa empresa de criptomoedas, a World Liberty Financial.

Antes mesmo da posse para o segundo mandato, Trump pediu a Witkoff para tirar do impasse as negociações para um cessar-fogo em Gaza. Ele foi a Jerusalém, obrigou o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu a recebê-lo durante o Shabat, e conseguiu. Depois, ele foi enviado a Moscou e trouxe de volta um prisioneiro americano, o professor de História Marc Fogel, condenado a 14 anos por entrar na Rússia com canabidiol. Agora, ele está entre duas guerras.

As famílias dos reféns israelenses confiam mais nele do que no primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. “Sou membro desse clube que enterra uma criança”, ele lhes contou um dia. Um de seus três filhos, Andrew, 22 anos em 2011, morreu de overdose do opioide OxyContin, num hotel da Califórnia.