UOL - O melhor conteúdo

Moisés Rabinovici: Jornal israelense denuncia campo de extermínio em Gaza

Com base em depoimentos de soldados e oficiais das Forças de Defesa de Israel (FDI)
Foto: BandNews TV/Reprodução

“É um campo de extermínio” — a área em que muitos palestinos morrem enquanto buscam comida para a esfomeada Gaza, segundo a denúncia do jornal israelense Haaretz, publicada nesta sexta-feira (27).

A denúncia tem por base alguns depoimentos de soldados e oficiais das Forças de Defesa de Israel (FDI).

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o ministro da Defesa, Israel Katz, consideraram a denúncia uma “calúnia de sangue”. E num comunicado conjunto, eles escreveram: “Essas são mentiras cruéis projetadas para desacreditar as FDI — o exército mais moral do mundo”. Mas os dois mandaram abrir uma investigação no Mecanismo de Avaliação de Fatos do Estado-Maior do Exército.

Diz o Haaretz: “Conversas com oficiais e soldados revelam que comandantes ordenaram que as tropas atirassem em multidões para afastá-las ou dispersá-las, embora estivesse claro que elas não representavam uma ameaça. Um soldado descreveu a situação como um colapso total dos códigos éticos das Forças de Defesa de Israel em Gaza”.

O Ministério da Saúde do Hamas contou 549 mortes perto de centros de ajuda humanitária, onde palestinos esperavam os caminhões de ajuda humanitária, desde 27 de maio. Mais de 4 mil ficaram feridos.

O Haaretz conta que a Fundação Humanitária de Gaza (FHG), criada para substituir órgãos da ONU no fornecimento de mantimentos e remédios para os palestinos de Gaza, nasceu de forma “obscura” numa parceria entre Israel, evangélicos dos EUA e empreiteiros privados de segurança. A FHG mantém quatro “centros de distribuição rápida”, que abrem por uma hora pela manhã, mas nenhum deles ao norte, obrigando milhares de palestinos a longas caminhadas até o sul durante a madrugada.

“É um campo de extermínio”, declarou um soldado ao Haaretz. “Onde eu estava posicionado, morriam de uma a cinco pessoas todos os dias. São tratados como uma força hostil, sem medidas de controle de multidão, como gás lacrimogêneo. Apenas fogo vivo, com metralhadoras pesadas, lançadores de granadas, morteiros… Quando o centro abre, os disparos param. Nossa forma de comunicação é o fogo”.

O soldado acrescentou: “Não há perigo para as FDI. Não tenho conhecimento de uma única instância de retorno de fogo. Não há inimigo nem armas”. Um reservista explicou que Gaza, com a guerra no Irã, “não interessou mais a ninguém (…) A perda de vida humana ali não significa nada. Não é nem mesmo um incidente infeliz, como se costumava dizer”.

Para um oficial das FDI, “trabalhar com população civil quando seu único meio de interação é abrir fogo — é altamente problemático, para dizer o mínimo. Não é nem ética nem moralmente aceitável que as pessoas tenham que alcançar uma zona humanitária sob fogo de tanques, franco-atiradores e cartuchos de morteiros”.

Os centros da FHG são protegidos por americanos nos corredores em que se formam as filas, a área externa tem supervisores palestinos, alguns deles armados, e o perímetro de segurança está com as FDI. “À noite, abrimos fogo para sinalizar à população que aqui é uma zona de combate e que ninguém deve se aproximar. A gente dispara metralhadoras de tanques e granadas. Houve um incidente em que um grupo de civis foi atingido enquanto avançava sob a neblina. Não foi intencional, essas coisas acontecem”.

Um oficial explicou ao Haaretz: “Uma brigada de combate não tem ferramentas para lidar com população civil em zona de guerra. Disparar morteiros para manter as pessoas famintas longe não é profissional nem humano. Eu sei que há agentes do Hamas infiltrados entre eles, mas também há quem simplesmente quer receber ajuda. Como país temos a responsabilidade de garantir que isso aconteça com segurança”.

Outra denúncia do Haaretz: “Hoje, qualquer empreiteiro privado, com equipamentos de engenharia, recebe 1.500 dólares (R$ 8.231) para cada casa que demolir. Alguns estão fazendo fortuna”.

O Haaretz identifica o brigadeiro-general Yehuda Vach, comandante da Divisão 252 das FDI, como um dos suspeitos de ordenar fogo vivo para dispersar palestinos esperando ajuda humanitária. Ele também é suspeito de ter ordenado a destruição de um hospital em Gaza, sem autorização. “A divisão de Vach não seria a única que opera na área (das FHG), e assim pode ser que outros oficiais tenham ordenado disparos contra civis que buscavam ajuda”.

Um soldado disse ao Haaretz: “Você sabe que não está certo. Você sente que não está certo — que os comandantes aqui estão tomando a lei em suas próprias mãos. Mas Gaza é um universo paralelo”.

No início desta semana, soldados da Divisão 252 abriram fogo contra civis que esperavam os caminhões de ajuda humanitária. Oito morreram, inclusive adolescentes. O incidente foi levado ao chefe do Comando Sul, major-general Yaniv Asor, que, além de uma revisão preliminar, não tomou nenhuma outra providência e nem exigiu alguma explicação do general Vach para o alto número de mortes em seu setor.

“O meu maior medo é que o tiroteio e os danos aos civis de Gaza não sejam o resultado de necessidade operacional ou mau julgamento, mas sim o produto de uma ideologia mantida por comandantes de campo”.

As FDI responderam à denúncia do jornal Haaretz declarando que “rejeita fortemente a acusação” — e que “as FDI não instruíram os soldados a atirar deliberadamente em civis, inclusive aqueles que se aproximam dos centros de distribuição. Para ser claro, as diretrizes das FDI proíbem ataques deliberados contra civis”.

O comunicado conjunto do primeiro-ministro Netanyahu e do ministro da Defesa Katz acrescenta: “As FDI operam sob difíceis condições contra um inimigo terrorista que opera de dentro da população civil… e tem uma indústria de mentiras para minar a legitimidade do Estado de Israel”. Concluindo, eles pedem aos “países democráticos que apoiem Israel em sua luta mortal contra os terroristas assassinos do Hamas”.

Compartilhe com seus amigos!