Cinco de nove prometidos caminhões de ajuda humanitária entraram em Gaza para 2,2 milhões de palestinos famintos, pela primeira vez em onze semanas — “uma gota no oceano”, como a considerou Tom Fletcher, que chefia o departamento de Assuntos Humanitários da ONU.
Mesmo “uma gota” ela foi difícil de pingar: a ala à direita do governo israelense a condenou como um “erro grave”, “anunciado às pressas”, sem ser submetida a voto. Netanyahu explicou: “Nossos melhores amigos no mundo – e senadores que eu conheço, favoráveis a Israel – advertem que não podem nos apoiar se as imagens da fome em massa continuarem a emergir”.
Para sossegar os ministros de extrema-direita, Netanyahu anunciou que “quer tomar o controle total de Gaza”. Mas ele se enganou ao achar que “uma gota” seria suficiente para acalmar os “amigos” internacionais. Uma declaração de 22 países, entre eles o Canadá, Dinamarca, Finlândia, Itália, Japão, Holanda, Portugal, Espanha, Suécia e Reino Unido, exige que seja fornecida a Gaza “a ajuda que ela necessita desesperadamente”.
A “escalada” da guerra prometida em paralelo às negociações para um cessar-fogo matou 136 palestinos no último dia, elevando o total para 53.486, segundo o Ministério da Saúde do Hamas, que não distingue civis de combatentes (que seriam 21.700, pelas contas de Israel).
Nesta segunda-feira (19), um ônibus parou na rua Marte, no bairro de Al-Mahata, em Khan Yunis, e 20 mulheres desembarcaram e se dirigiram direto à casa de Ahmad Sarhan, o comandante das brigadas Al-Nasser Salah al-Din. Elas eram eles — agentes dos serviços secretos israelenses. Aviões e helicópteros dispararam contra alvos na vizinhança por 40 minutos, dando cobertura à operação de 20 minutos, que chegou a ser confundida com alguma em execução para libertar os reféns há 19 meses cativos. Sarhan morreu baleado, mulher e filha presas, e as 20 mulheres saíram homens do tiroteio, deixando os vestidos para trás.
Outro assassinato importante foi o de Mahdi Kawara, o comandante do Hamas, ao sul de Khan Yunis, mas seus detalhes ainda não são conhecidos. O corpo de Mohammed Sinwar, o líder do Hamas em Gaza, irmão do falecido Yahya, que planejou a invasão a Israel em 7 de outubro de 2023, foi encontrado dentro de um túnel. Ele morreu sob bombardeio de aviões israelenses ao Hospital Europeu, na semana passada. A morte de lideranças palestinas não paralisa as negociações, porque o Hamas opera de forma descentralizada, com decisões internas complementadas por externas, tomadas por líderes fora de Israel, Gaza e Cisjordânia.
A ampliação da guerra em Gaza recebeu o nome de “Carruagens de Gideão”, que está nos capítulos 6 a 8 do livro dos Juízes, na Bíblia. Mas nele não há menção a carruagens. E, ao contrário de Israel, que convocou milhares de reservistas, Deus ordenou que Gideão (que significa Lenhador, ou Cortador) reduzisse seu exército de 32 mil homens para apenas 300, armados de buzinas, jarros e tochas. Venceram a guerra contra os mais numerosos midianitas, que devastavam suas colheitas e seus rebanhos. A conclusão teológica é clara: a vitória não advém da força militar convencional, mas da intervenção divina.
Embora se diga que em Jerusalém “a ligação com Deus é local”, Netanyahu não parece ter força divina para as Carruagens de Gideão. Alguns analistas militares não viram ainda a “escalada” e a consideram um blefe para pressionar o Hamas, no front de Doha, no Catar. Lá, o impasse perdura, mas a proposta de um acordo parcial, a libertação de 9 a 10 reféns, por 45 dias de cessar-fogo e cerca de 400 prisioneiros palestinos, está ganhando força, embora o presidente Trump prefira a libertação de todos os reféns e o fim da guerra.