UOL - O melhor conteúdo

Falta de geriatras no Brasil: o alerta que não pode mais ser ignorado

O país envelhece rapidamente, mas não acompanha esse ritmo na formação de médicos especializados em saúde do idoso

O Brasil está envelhecendo rapidamente, mas não se prepara para cuidar de sua população idosa na mesma velocidade. A falta de médicos geriatras é um sinal claro de que estamos despreparados para cuidar de quem mais precisa. Vivemos hoje uma das transições demográficas mais aceleradas do mundo. Enquanto o número de idosos cresce exponencialmente, a estrutura de cuidado, sobretudo médico, segue em ritmo oposto.

A escassez de geriatras é uma realidade preocupante que pode levar a um verdadeiro colapso na saúde pública e suplementar. Com poucos especialistas para atender milhões de idosos, o país corre o risco de ver agravada a sobrecarga nos serviços, erros nos tratamentos e piora na qualidade de vida dessa população. O envelhecimento não é uma doença, mas exige um olhar especializado. A saúde do idoso precisa deixar de ser invisível para se tornar uma pauta estratégica. Negligenciar o cuidado ao idoso é negar o futuro – não só dos nossos pacientes, mas de todos nós. Valorizar a Geriatria impacta diretamente a qualidade de vida de uma população que envelhece em ritmo acelerado.

Envelhecimento populacional e os desafios da Geriatria

O Brasil está passando por uma transformação demográfica significativa. Dados do IBGE mostram que, em 2023, 15,6% da população tinha 60 anos ou mais, totalizando cerca de 33 milhões de pessoas. Projeções indicam que, até 2070, esse percentual chegará a 37,8%, ou aproximadamente 75,3 milhões de idosos.

Esse cenário impõe desafios complexos ao sistema de saúde. A OMS recomenda um geriatra para cada mil idosos, mas no Brasil a média é de um para 12 mil. Essa desproporção limita o acesso a cuidados especializados, sobretudo em regiões afastadas e no sistema público. O geriatra é peça-chave na orientação familiar e na atuação junto a equipes multidisciplinares, garantindo um cuidado holístico e individualizado. Investir na formação de geriatras e em políticas públicas adequadas é imperativo.

Formação deficiente e desvalorização da especialidade

À medida que o Brasil caminha para ser um dos países com maior proporção de idosos no mundo, a Geriatria segue negligenciada. A maioria das faculdades de medicina oferece pouca ou nenhuma exposição à especialidade. Muitos estudantes a veem como “sem glamour”, “desgastante” ou “pouco rentável”. Essa percepção distorcida ignora o valor humano, intelectual e clínico da prática geriátrica, que vai da atenção básica ao cuidado paliativo.

Frequentemente, o idoso é visto apenas como um paciente com múltiplas comorbidades, e não como sujeito de cuidado integral. Isso compromete a formação dos futuros médicos e reduz o interesse por uma especialidade que exige visão ampliada, escuta ativa e trabalho interdisciplinar. Faltam ainda políticas públicas que estimulem sua valorização como prioridade nacional. Sem geriatras, aumenta o risco de medicalização excessiva, institucionalização precoce e perda de autonomia.

Impactos sistêmicos da escassez de geriatras

A carência de geriatras compromete o cuidado e gera sobrecarga em todos os níveis da atenção. Há aumento da judicialização, da polifarmácia, de internações evitáveis e dos custos assistenciais. A maioria dos idosos é atendida por médicos generalistas sem formação específica na área, o que dificulta o manejo de comorbidades e compromete a integralidade do cuidado.

Sem conhecimento sobre envelhecimento e farmacologia geriátrica, há maior risco de erros na prescrição, interações medicamentosas, efeitos adversos e hospitalizações evitáveis. Questões que poderiam ser resolvidas na atenção primária acabam superlotando prontos-socorros e hospitais, onerando ainda mais o sistema. A ausência de geriatras reflete a desorganização do cuidado com o idoso no Brasil.

Valorizar a Geriatria é urgente. A crise na saúde do idoso, embora anunciada, ainda pode ser evitada. Mas é preciso agir agora. O envelhecimento da população exige mais do que discursos: requer planejamento, investimento e valorização de quem cuida dessa parcela crescente da sociedade. A falta de geriatras é um problema de saúde pública e um alerta social. Ignorar essa realidade é negligenciar o futuro do Brasil.

Julianne Pessequilo
Médica Clínica e Geriatra
CRM 160834 / RQE – 71895

Compartilhe com seus amigos!