Dados do Censo 2022, divulgados hoje (05) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelaram uma realidade chocante: 34 mil crianças de 10 e 14 anos vivem em união conjugal no Brasil. Desse grupo, 77% são meninas. Elas estão distribuídas em mais de 2 mil municípios brasileiros.
Em entrevista ao Tarde Bandnews com Paula Valdez, Luciana Temer, presidente do Instituto Liberta, que enfrenta a violência sexual contra crianças e adolescentes, explicou que, apesar de chocante, o número não é exatamente uma surpresa.
“Esse dado realmente é grave, mas não nos surpreende, porque a gente sabe que essa essa realidade de violência, porque o casamento infantil é uma violência e é uma violência institucional, inclusive contra crianças e adolescentes. É, a gente sabe que essa é a realidade de boa parte das meninas deste país”.
A cidade de São Paulo, que concentra a maior população do país, também é a que registra mais casos do tipo, com 1,3 mil crianças em união conjugal. Depois, estão Rio (809), Manaus (608), Fortaleza (513) e Salvador (299). Os números também revelam que a maioria dessas uniões é feita entre crianças e adolescentes com homens maiores de idade. Luciana explica que qualquer relação com menores de até 14 anos configura estupro.
“Até os 14 anos, qualquer relação sexual ou ato lubinoso, seja menina, ou seja menino, é estupro pela nossa legislação, estupro de vulnerável. São seis registros policiais por hora de de meninas e meninos com menos de 14 anos sendo estuprados. 85% são registros de meninas”.
Dos 14 aos 18, pode haver a relação sexual entre um adulto e um adolescente, desde que não seja em troca de algo. E isso pode ser dinheiro, pode ser um convite para uma festa ou uma cesta básica Isso é exploração sexual. E na verdade, muitos desses casamentos mascaram situações de exploração sexual”, explica.
Segundo os números do IBGE, desse número de 34 mil crianças envolvidas em uniões conjugais, 7% estão casadas no civil e no religioso, 4,9% só no civil e 1,5% só no religioso. O restante da amostra, 87%, viviam em algum outro tipo de união consensual. Para Luciana, há um risco de culpabilização da família, mas o problema nasce mesmo da vulnerabilidade social.
“Muitas vezes a família acha que a menina vai ficar melhor naquela situação casada. A gente tem que tomar muito cuidado quando culpabiliza as famílias porque muitas vezes são famílias que estão acreditando que aquela situação é melhor para sua filha. A gente tem é que culpabilizar o Estado e a sociedade, mostrando que essa situação tem relação com a desigualdade social”.
A legislação brasileira proíbe o casamento civil entre menores de 16 anos e, para a especialista, quando isso acontece, a violência se perpetua em diversas esferas.
“A gente está falando de ciclo de miséria, de abandono institucional de crianças e adolescentes, que tem a sua infância interrompida pelas mais diversas violências. Violências sexuais, violências físicas, violências institucionais e que a gente fica depois se perguntando: Mas como é que a gente tá nessa situação de país? Por que que a gente não consegue melhorar?
Ora, minha gente, com cinco bebês nascendo por hora, filhas de mães de até 15 anos, é insustentável para qualquer país. Crianças e adolescentes são responsabilidade da sociedade, do Estado e da família. Então somos todos responsáveis por essa situação de casamento infantil”, conclui.