O fracasso das tréguas no Líbano
O cessar-fogo no Líbano, em 1982, não cessava o fogo, horas depois de vigorar. A aviação israelense continuava bombardeando Beirute. O então presidente americano, Ronald Reagan, ligou para o então primeiro-ministro de Israel, Menachem Beguin, e consta que pronunciou apenas uma palavra, em tom de ordem: “Shalom!”, Paz!
A guerra parou. Yasser Arafat partiu no navio Atlântida para o exílio, na Tunísia. As forças multinacionais que desfilavam em Beirute, principalmente os elegantes Bersaglieri italianos, começaram a partir de volta a seus países.
Quando o cessar-fogo foi fechado pelo diplomata americano Philipe Habib, Beirute acordou assustada, com os sinos das igrejas badalando. É que a maior parte da população já tinha se acostumado ao barulho da guerra — tiros, bombardeios, artilharia. Ao silêncio quebrado por sinos, jamais.
Nunca esqueci como as forças israelenses entraram e saíram do Líbano. Foram saudados pelos libaneses do sul com arroz, atirado enquanto marchavam para o norte. Na volta, foram despedidos a pedradas. Entre arroz e pedras, Beirute foi mais destruída que na guerra civil, houve o massacre de Sabra e Chatila, a retaliação das falanges cristãs ao atentado que matou o presidente eleito pelo Parlamento, Bashir Gemayel, antes de sua posse, apoiado por Israel.
Saiu a OLP, entrou o Hezbollah. E a primeira guerra estalou em 2006, com duração de cinco semanas. O estopim foi o sequestro de dois soldados israelenses. Morreram cerca de 13 mil combatentes palestinos e libaneses, e de 6 mil a 20 mil civis libaneses. Da parte de Israel morreram 1.400 soldados, entre 900 e 1.500 soldados do Exército do Sul do Líbano, criado e armado por Israel, e cerca de 200 civis israelenses.
Um cessar-fogo foi proclamado pela ONU, com a resolução 1.701, a mesma em que se baseia o cessar-fogo que começa a vigorar nesta quarta-feira, iniciada em outubro de 2023. O Hezbollah não a cumpriu, e foi descendo do rio Litani para o sul, próximo à fronteira de Israel. Agora, deverá recuar para o norte do Litani. No trecho que o atravessei muitas vezes, partindo da “Porta da Boa Vizinhança”, em Metula, ele era apenas um riacho.
A novidade é que o novo cessar-fogo vai contar com oito mil soldados libaneses. O Hezbollah era a milícia mais poderosa do Oriente Médio, armada e financiada pelo Irã para representá-lo nas desavenças com Israel. Os libaneses não dizem abertamente, mas a grande maioria celebra a força maior de seus soldados depois dos duros golpes de Israel no Hezbollah. O Líbano poderá exercer a soberania nacional em todo o seu território. Os israelenses destruíram a infraestrutura plantada no sul libanês, explodiram arsenais secretos e túneis que passavam por baixo da fronteira. Também derrubaram prédios em Beirute onde eram administrados os serviços sociais e guardado o dinheiro do Hezbollah.
Aqui os 13 principais pontos do acordo do novo acordo de cessar-fogo no Líbano:
– O Hezbollah e todas as outras organizações armadas presentes em território libanês se absterão de realizar qualquer ação ofensiva contra Israel.
– Em contrapartida, Israel não conduzirá nenhuma ação militar ofensiva contra alvos no Líbano, seja em terra, no ar ou no mar.
– Israel e o Líbano reconhecem a importância da resolução 1701 do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
– Esses compromissos não tiram de Israel e do Líbano seu direito inerente à legítima defesa.
– As forças de segurança e o exército libanês serão as únicas entidades autorizadas a portar armas ou enviar tropas no sul do Líbano.
– A venda, fornecimento ou produção de armas e equipamentos relacionados no Líbano será supervisionada pelo governo libanês.
– Todas as instalações não autorizadas relacionadas à produção de armas e equipamentos relacionados serão desmanteladas.
– Todas as infraestruturas e posições militares que não estejam de acordo com esses compromissos serão desmanteladas e todas as armas não autorizadas serão confiscadas.
– Um comitê aprovado por Israel e Líbano será criado para supervisionar e auxiliar na implementação desses compromissos.
– Israel e o Líbano relatarão qualquer violação desses compromissos a este comitê e à Força Interina das Nações Unidas no Líbano (NF/NA).
– O Líbano implantará as forças de segurança oficiais e o exército ao longo de todas as fronteiras dos pontos de passagem e da linha definida para a zona sul, conforme descrito no plano de implantação.
– Israel se retirará gradualmente do Sul do Líbano dentro de um período de até 60 dias.
– Os Estados Unidos fortalecerão as negociações indiretas entre Israel e o Líbano para alcançar um traçado internacionalmente reconhecido da fronteira terrestre.
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O Hamas pede trégua
O Hamas está pedindo trégua: “Informamos aos mediadores do Egito, Catar e Turquia que estamos prontos para um cessar-fogo e um acordo sério para troca de prisioneiros (por reféns israelenses)” — declarou às agências de notícias France Presse e Reuters o dirigente do Hamas Sami Abu Zuhri.
O cessar-fogo no Líbano separou o Hezbollah do Hamas. Entre muitos palestinos deixou a sensação de que foram abandonados e serão agora o foco central das forças de Israel, desengajadas da guerra ao norte. Outros consideram o acordo libanês um precursor para Gaza. Mas são situações diferentes.
O Hamas iniciou a guerra ao invadir Israel em 2023 e matar 1.200 israelenses, sequestrando outros 250, dos quais ainda mantém reféns cerca 100, nem todos vivos. O Hezbollah começou a disparar mísseis contra Israel, no dia seguinte, “por solidariedade”. Um terceiro front foi aberto pelo Houthis, no Iêmen. Os três grupos são armados e financiados pelo Irã, com o qual houve dois combates diretos.
A Casa Branca tentou um acordo entre Israel e Hamas, com apoio do Egito, Catar e Arábia Saudita, e não conseguiu, algumas vezes por obstáculos impostos pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, e outras por causa de Yahya Sinwar, morto num inesperado encontro com soldados israelenses. O impasse continua, porque o atual governo israelense não aceita a solução de dois estados que deveria se seguir a um acordo, e a extrema-direita não quer troca de prisioneiros, lembrando que Sinwar surgiu assim, trocado com mil outros por um único soldado, Gilad Shalit, em 2011.
O dirigente do Hamas Abu Zuhri culpou Netanyahu pelo impasse nos acordos que foram tentados: “O Hamas mostrou alta flexibilidade para chegar a um acordo e ainda está comprometido em obtê-lo, interessado em acabar com a guerra em Gaza”. Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, 44 mil palestinos foram mortos ou presumidos mortos em mais de um ano de combates. Israel informa que 19 mil deles eram combatentes e morreram na guerra e durante a invasão às comunidades fronteiriças em outubro de 2023.
Na avaliação de Netanyahu, “em Gaza, desmontamos os batalhões do Hamas e matamos cerca de 20.000 terroristas. Matamos [o líder do Hamas Yahya] Sinwar, matamos [o chefe militar Mohammed] Deif, matamos altos funcionários do Hamas e trouxemos 154 reféns de volta. Estamos comprometidos em trazê-los todos para casa, os 101 reféns ainda em Gaza, aqueles que ainda estão vivos, bem como os mortos, e acabar com a terrível angústia de suas famílias. É claro que estamos comprometidos em completar a aniquilação do Hamas.”
Às famílias de reféns que ganharam alguma esperança com a trégua no Líbano, o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, declarou que vai vetar qualquer acordo que inclua a libertação em massa de prisioneiros palestinos. “Não permitirei a liberação de 1.000 Sinwars sob nenhuma circunstância.
Destaque na imprensa libanesa, é que o Hezbollah vai realizar os funerais de seu secretário geral Hassan Nasrallah e de seu sucessor, Hachem Safueddine, um morto em 27/9 e outro em 23/10. Até agora não os tinham feito por medo de que alguma aglomeração atraísse os bombardeios israelenses.