Gaza dormiu a primeira noite sem bombas e sem o zumbido de drones ou o barulho dos aviões em 471 dias. Esse talvez seja a maior gratificação de um cessar-fogo, porque atinge toda a população, e não só as famílias que receberam prisioneiros e reféns libertados. No cessar-fogo da guerra no Líbano de 1982, os sinos das igrejas de Beirute acordaram os libaneses que foram dormir embalados pelas explosões a que já tinham se acostumado. Foi um susto. Mas logo depois as celebrações, com tiros para o alto, devolveram a cidade ao seu normal.
A primeira noite de cessar-fogo em Gaza será seguida por outras 41 noites se o acordo frágil entre Hamas e Israel for preservado. Para um novo período de mais seis semanas de trégua, a negociação mediada pelo Catar e Egito, agora com Donald Trump na Casa Branca, está marcada para começar em 2 de fevereiro.
Ao iniciar o cessar-fogo, às 11h15 do domingo, surgiram nas ruas os militantes mascarados e armados e a polícia do Hamas, que estavam desaparecidos. Foi um show de força demonstrando quem é que manda em Gaza, antes que a Autoridade Palestina, em Ramallah, tente assumir o controle. E mais: sobreviveram às promessas de eliminação do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
As tropas israelenses, ao contrário, recuaram para posições fora dos centros populosos e ao longo da fronteira egípcia, o Corredor Filadélfia. Mais do que os 600 caminhões de mantimento e de ajuda humanitária previstos começaram a descarregar. Fora, havia uma fila com outros cerca de 3 mil caminhões à espera. O povo lotou as ruas empoeiradas no êxodo para suas casas, provavelmente arrasadas. Pela primeira vez em 15 meses os palestinos não temiam as bombas que caíam incessantemente.
Três das 33 reféns israelenses selecionadas para libertação em seis semanas só foram informadas na véspera. Em meio a uma multidão de palestinos, assustadas, passaram da guarda do Hamas para a Cruz Vermelha, que as levou para um centro de recepção e primeiros exames médicos montado por Israel, de onde seguiram de helicópteros para hospitais. Os jornais israelenses desta segunda-feira, e boa parte dos internacionais, publicaram as fotos dos abraços entre filhas e mães. Na Praça dos Reféns, em Tel Aviv, muitos choraram acompanhando por telões as cenas de Gaza. Mais tarde, 90 prisioneiros palestinos foram libertados na Cisjordânia, com muita festa de familiares e de motoristas que buzinaram sem trégua.
Este cenário deverá se repetir outras cinco vezes envolvendo 33 reféns, nem todos vivos, e mil prisioneiros. No final, o Hamas ainda terá dois terços dos reféns, uns 60, nem todos vivos, e Israel, além de milhares de prisioneiros, estará ocupando várias partes de Gaza. Continuar uma trégua por mais seis semanas dependerá da vontade do Hamas e do governo israelense.
Os dois povos, palestino e israelense, já demonstraram que querem a paz. Mas não seus líderes. O Hamas promete um ataque como o que matou 1200 e sequestrou 250 israelenses em 7 de outubro, dando início à guerra, e mais atentados com homens bomba. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu conseguiu tirar do acordo, que foi forçado a assinar por um emissário de Trump, o compromisso de encerrar a guerra. Pode recomeçá-la a qualquer momento que julgar que a trégua foi violada.
Para Netanyahu, o cessar-fogo já custou a renúncia de três ministros da extrema-direita, deixando-o com 63 votos no Parlamento de 120. Se concordar com a segunda fase, mais aliados o abandonarão, e ele só não cairá se a oposição não cumprir a promessa de socorrê-lo enquanto estiver lutando pela volta de todos os reféns. Um fator crucial é que as negociações correm agora sob a supervisão do presidente Donald Trump. Outro: fim da guerra, uma comissão de inquérito vai investigar como o Hamas pode invadir Israel sem resistência. Aí Netanyahu corre o risco de ser responsabilizado.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da BandNews TV