Moisés Rabinovici: Assim Israel foi derrotado em 7 de outubro

Relatório militar aponta falhas de inteligência no ataque do Hamas
Reprodução: Government Press Office

O dia mais mortal para os judeus desde o Holocausto, quando 1.200 pessoas foram assassinadas, a maioria civis, e 250 levadas para Gaza como reféns, aconteceu porque o alto escalão do exército e da inteligência militar israelense subestimou os sinais que chegavam do Hamas desde a noite de 6 de outubro, véspera da invasão aos kibutzim e a um festival de música ao sul de Israel.

Um relatório de uma investigação militar, com 40 páginas, foi divulgado nesta quinta-feira. Ele não tem pretensões de abordar responsabilidades políticas pelo enorme fracasso que permitiu o ataque do Hamas e a demora em começar uma contraofensiva, que farão parte de uma Comissão de Inquérito que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu diz que será instalada quando a guerra acabar.

Antes das conclusões hoje apresentadas, o general chefe do Estado Maior militar, Herzi Halevi, aceitou toda a responsabilidade pelo golpe desferido pelo Hamas, e marcou sua renúncia para 6 de março, depois de ter comandado a guerra em Gaza, no Líbano, contra os Houthis, no Iêmen, e dois confrontos diretos com o Irã. Além dele renunciaram o ex-chefe da inteligência militar, em 2024, e o chefe da brigada militar em Gaza. Mais demissões devem ocorrer neste ano.

Todo o aparato militar israelense interpretou erroneamente os sinais recebidos de Gaza na noite de 6 de outubro de 2023. Para cada um, havia uma explicação. Por exemplo, quando os cartões SIM de celulares do Hamas foram ativados, às 21 horas, concluíram: deveria ser parte de um treinamento.

Quando uma atividade maior no Hamas foi observada, às 23h30, mas sua Força Nukba de combate antitanques não se moveu fora do padrão, a cúpula militar considerou que a situação era normal.

Já depois da meia-noite, em 7 de outubro, a informação de que membros do alto escalão do Hamas estavam em rara atividade, o comandante do Comando do Sul marcou uma reunião de avaliação para as 10h da manhã. Logo depois, 1h50 da madrugada, surgiram indícios de que o Hamas estava se preparando para disparar foguetes. O Comando Sul antecipou a reunião das 10h pra 13h. Ao mesmo tempo, o Shin Bet, pediu o sobrevoo de drones na área para avaliação.

Daí em diante, os contatos telefônicos se intensificaram. Ainda assim, apesar de sinais cada vez mais evidentes, prevalecia a presunção de que o Hamas não parecia disposto a uma escalada. Às 5h40, Israel decidiu não enviar um batalhão de comandos para a fronteira com Gaza, e sim um time de agentes do Shin Bet.

Primeira conclusão: o Hamas enganou Israel por algum tempo, antes de 7 de outubro, como se estivesse interessado em aumentar o número de palestinos trabalhando na lavoura israelense. E Israel, assim, destinou todos os seus recursos para o Irã e seu braço militar libanês, o Hezbollah.
Segunda conclusão: o Hamas preparou cuidadosamente o seu ataque. Não houve improvisação. Soldados israelenses que entraram em Gaza encontraram planos de invasão com o codinome “Muralha de Jericó”, datados de 2022. Para Israel, o golpe desferido pelo Hamas era considerado, antes, como “irrealista”. Das três hipóteses levantadas, a que menos crédito teve foi a terceira, a de que uma infiltração em Israel estava em andamento. A primeira atribuiu a movimentação a um exercício e a segunda, à prontidão, por medo de um ataque.

Era sábado, feriado religioso judaico, a guarda da fronteira estava mantida no mínimo, pronta para enfrentar um ataque de dezenas de militantes, e não de milhares. As forças do Hamas atacaram em três ondas: na primeira meia-hora, 1.200 terroristas; entre uma e duas horas depois, entraram mais de 2 mil homens. Choviam foguetes disparados de Gaza contra cidades israelenses. A terceira onda envolveu uma multidão civil incentivada pelo Hamas.

De 6h30 da manhã até 13h, os militares israelenses não tinham noção da quantidade dos invasores. Muitos oficiais e reservistas correram para dar combate, por conta própria: três comandantes de brigada e vários comandantes de batalhão foram mortos. A mobilização de reservistas era caótica, com ônibus demorando a chegar e estradas bloqueadas. Levou dois dias, até a noite de 9 de outubro, para que Israel recuperasse o controle das áreas invadidas.

O relatório com as conclusões militares do 7 de outubro está sendo apresentado nos kibutzim que foram atacados pelo Hamas e perderam muitos de seus membros. A imprensa também recebeu cópias. É a versão do exército e dos serviços de inteligência. Para os israelenses, mais importante será a investigação de uma comissão independente, conduzida por um juiz da Corte Suprema, que abrangerá as responsabilidades do governo. A guerra, com mais de 500 dias, está no final da primeira fase do acordo de cessar-fogo, que pode ser estendido ou não. Há mais 55 reféns, vivos e mortos, em Gaza.

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Cessar-fogo entre Israel e Hamas expira no sábado à noite

O cessar-fogo entre Israel e Hamas expira no sábado à noite. Ambos dizem que querem que ele continue: Israel, para receber de volta 25 reféns ainda vivos e 30 outros mortos; e o Hamas, pela libertação de mais prisioneiros palestinos — e passar em paz o mês sagrado do Ramadã, que começa nesta sexta-feira.

Na madrugada de hoje, quatro restos mortais de reféns israelenses foram trocados por esperados 620 prisioneiros palestinos, em Gaza e Ramallah. Foi o final da primeira fase de 42 dias do acordo, que previa, em seu 16º dia, o início da negociação de uma segunda fase, que deveria incluir o fim da guerra de mais de 500 dias.

Hoje partiu para o Cairo uma delegação israelense para sondar se vai haver novas negociações. O acordo da primeira fase prevê que o cessar-fogo pode ser estendido enquanto Israel e o Hamas continuem a trocar reféns por prisioneiros, e seja mantida a ajuda humanitária para Gaza.
Dos cerca de 250 israelenses sequestrados no ataque do Hamas a Israel, em 7 de outubro de 2023, restariam 55, vivos e mortos, depois que 30 reféns, incluindo cinco tailandeses que trabalhavam na lavoura em kibutzim da fronteira com Gaza, foram trocados pelo total de 1.500 prisioneiros aos sábados e quintas-feiras dos últimos 40 dias.

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu já declarou que não retirará as tropas ainda em Gaza, no Corredor Filadélfia, que demarca a fronteira com o Egito, enquanto o Hamas estiver no poder civil e militar de dois milhões de palestinos. Ele propõe o exílio da liderança do Hamas, como em 1982, quando Yasser Arafat, líder da OLP, foi obrigado a partir de Beirute, e a rendição de todos os combatentes.

O Hamas rejeita a retirada e a desmilitarização, e procurou demonstrar, nas entregas de reféns, que está no poder em Gaza, depois de ter recrutado um número de jovens palestinos igual ao de combatentes mortos nos ataques israelenses.

Como agravante, a extrema direita israelense ameaça derrubar Netanyahu se a guerra não recomeçar. O presidente Donald Trump deu sinal verde para Israel seguir o caminho que quiser. Ontem, na Casa Branca, diante da imprensa, ele comentou que estava “muito decepcionado” com o Hamas: “Eles acham que estão fazendo um favor ao nos enviar corpos… Este é um grupo cruel de pessoas”. Fosse ele, acrescentou, teria retornado à guerra. O presidente francês Emmanuel Macron também se pronunciou sobre a última entrega de restos mortais pelo Hamas, na madrugada de quinta-feira. Num dos quatro caixões havia um cidadão franco-israelense, “nosso compatriota Ohad Yahalomi”, que lutou contra os terroristas em 7 de outubro de 2023, e foi levado para Gaza com um tiro na perna.

“Nessas horas suspensas de dor e angústia, a nação está ao seu lado”, postou Macron no X.

O enviado especial da Casa Branca ao Oriente Médio, Steve Witkoff, visitaria Israel e vários países árabes nesta semana, para relançar as negociações da segunda fase do cessar-fogo, mas foi mobilizado para concluir o acordo de terras raras entre Estados Unidos e Ucrânia. Ele deve retomar sua agenda na semana que vem, mas ainda sem confirmação..

O porta-voz do Hamas, Abdel-Latif al Qanou, reforçou o desejo de estender a primeira fase do cessar-fogo, desde que fossem mantidos o fim da guerra e a retirada total das forças israelenses.

Um grupo de “desobediência civil” criado entre os israelenses, em novembro, para se interpor entre os radicais de direita e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, está se mobilizando para novas manifestações. Ele vai atuar ao lado do Fórum dos Reféns e Desaparecidos, que reúne milhares de apoiadores contra o reinício da guerra e pela libertação dos reféns vivos e mortos ainda em Gaza.

O grupo, Shift 101, vai se manifestar às quatro da tarde na Azza Road, perto da residência do primeiro-ministro, em Jerusalém, para o que está chamando de “protesto de fúria”. Ele também está divulgando um folheto com instruções sobre desobediência civil. Em preparação há um Dia de Comando, “quando milhares de soldados a pé e batalhões de carros seguirão para Jerusalém, a um sinal dado pelas famílias dos reféns”.